sábado, 14 de maio de 2016

Concreto Armado — O Mundo Do Trabalho [2013]



C o n c r e t o   A r m a d o
O Mundo do Trabalho 
[65'00'']

"Concreto Armado" é uma alter-persona para: Guitarras, Baixo, Bateria, Teclados, Violão, Vozes, Ruídos e Microfonias, Letras e Músicas, Gritos e Urros: Juliano Berko. Gravado entre Dez/2012 e Nov/2013.


Capa: O rapaz trabalhava na impermeabilização do assoalho do Anexo II do senado no dia em que visitei o gabinete do senador Cristovam Buarque, em abril de 2010. Nós trocamos olhares, ele foi simpático. De repente, vi que o enquadramento criaria uma imagem interessante e, sem pensar duas vezes, tirei a foto.

Ele sorriu e continuou o seu trabalho. Me perguntou qual a razão de uma manifestação que ocorria em frente ao congresso, eu não soube dizer sobre o que era. Não pensei em pegar seu nome, não imaginava que eu faria da foto a capa de um trabalho... Segui meu rumo à rodoviária.

Contra-capa: O senhor que, na montagem amadora que fiz, está ao meu lado, era um operário que trabalhava nas obras de reforma do calçamento da UnB, também em 2010, já na época das eleições. Ele lia um panfleto da Dilma. Achei uma imagem simbólica e, igualmente, a registrei.

CD: A foto é da linha que leva visitas, mães e esposas, provavelmente em sua grande maioria, à penitenciária da Papuda, na baia ao lado da linha que leva à UnB, 2010.

LISTA DE FIGURAS: 1. “Projeto Cultura no Ônibus”; 2. Julian Assange; 3. Alisson Angel; 4. Ocupação do MTST em Taguatinga Sul, 2012; 5. Mercenário Francês no Mali; 6. Simbologia Maçom; 7. Sex Pistols; 8. Juliano Berko e Aurora Basso.

Agradecimentos: à minha família, Mah e Aurora. Quero agradecer também ao Flávio Pompeu, pelo apoio e injeção de ânimo no projeto (Sem isso, talvez, eu não houvesse feito!); aos queridos Leonardo Afonso e Danilo “Dandi” Marques, pelas conversas, amizade e jam’s, contribuições inestimáveis para este projeto [Sintam-se à vontade, pois que são convidados de sempre para fazer parte desta viagem!]; ao Sr. Antônio pela conversa e inspiração para "Cultura no Ônibus”.

Por que “O Mundo do Trabalho”?


— Terminei o projeto anterior, “Futuro, Adeus!”, durante a greve de 2012 da UnB. Acabada a greve, eu terminei de gravar o projeto e de escrever a monografia, entre setembro e outubro. De repente, me dei conta de que não me restava mais ofícios para com a universidade e que, finalmente, poderia – queria, deveria – entrar no tal “mundo do trabalho”, do qual os críticos tanto falam. Fiquei suspenso até fevereiro, quando fui chamado para ser professor temporário do GDF. Nesse meio tempo, já havia escrito algumas coisas, inclusive a canção que dá o título ao disco. Os demais temas são frutos da experiência ao longo do ano como professor, do desenvolvimento das minhas reflexões subjetivas acerca da minhas condições objetivas.

Juliano Berquó,
31/10/13.

Contatos:


julianoberko@gmail.com
(61) 85156753
www.oversolanoverso.blogspot.com

1. Caminhos Do Povo


Caminhos do Povo 

Todos os caminhos do povo
Levam à rodoviária do Plano Piloto

Todos os caminhos são tortos
Procuramos pelo porto seguro
Todos caminhamos no escuro
Luz só há quando nos vemos nos outros

Todos pesamos o aço
Dos nervos, do peito e o cansaço
Todos pisamos pesado
Os calos, guardamos no bolso

Nenhum de nós sobe no salto
Porque o chão sempre foi nosso leito
Todos os pavios são curtos
E entre nós, nos damos ao respeito

Ninguém enxuga o nosso pranto
Com ele, deixamos os talheres limpos
Fazemos do lençol mais branco
E ao fim do dia tudo um brinco

Estes que usam do concreto
Pra ganhar mais com os seus contratos
Quando o serviço sou eu quem presto
Um dia irão aos ares estraçalhados

Estes que lambem o asfalto
Com as suas botas de borracha
E servem ao nosso grande assalto
Haverão de parar antes da faixa
E observarão com suas próprias retinas
A transição que já vem em marcha
Qual findará a toda injustiça
Com a sagrada lâmina: guilhotina

Todos os caminhos do povo
Nos levam a um mundo novo

2. Mundo Do Trabalho


Mundo do Trabalho 

Com o diploma embaixo dos braços, eu finalmente adentro ao mundo do trabalho
Com o papel timbrado devido saio da universidade desempregado
A única escolha que temos é vender o nosso tempo em troca de um salário?
E agora, como alimentar meus filhos? Como educá-los pra liberdade sem ser só mais um cínico?

Minha mãe, minha alma mater, de que adiantou tanto pensamento crítico?
Se os dados foram lançados, tudo tem um dono e há um único caminho?
Se, a depender dos parâmetros, todos os assalariados são trabalhadores escravos?
Se, em compromisso com a verdade, maior é a submissão quanto maior o suborno!

E agora, pra onde é que eu vou? E se eu não conseguir estudar e não passar no concurso?
Sou um Geógrafo, um Professor, um Artista ou mesmo ainda um Pesquisador-Tecnologista?
Na crise, devia estar agradecido pela universidade proporcionar-me um ofício!
A crise, que desfaz casa e emprego, mas que ainda assim enriquece os bilionários!

Fizeram com que eu preenchesse as bolinhas com a caneta preta em material transparente
Quiseram que eu fosse um robô, fizeram com que eu me entristecesse com aquilo que eu sou
Querem que eu repasse aos jovens a sua mensagem e que faça sentido!
Porém, ainda não estou morto, posso até cair de podre, mas eu nunca me rendo!

Revoltar-se urge — mas como?

E a liberdade que viria com a minha emancipação?
E o peso do mundo que só cresce em minhas costas?
E as doses mais altas pra aliviar minha frustração?
E o som sempre mais alto para abafar meus gritos?
E o semblante sempre mais fechado de indisfarçável ódio?
E quase tudo que existe e que pra mim é chiste?
E o que faz a todos rirem e que pra mim é muito sério?
[E o precariado que percebe quem carrega o mundo? Não há mais mistério!]
E o sorriso um pouco mais insano pra disfarçar meu desespero?
Que faço disso tudo se me sinto tão vivo?
Não sei que faço disso tudo mas sei que eu não me curvo.

Por migalhas, nos acotovelamos, fingimos ser civilizados, mas onde é que estamos?
Aceitamos desiguais privilégios, naturalizamos a submissão às dívidas
Querem que eu aceite calado e apoie o corporativismo dos sindicatos e partidos
Que de nada nos servirá além de nos levarem a ser depositários dos bancos

A mim, como a uma minoria, me impressiona como se monetariza a vida:
A Terra, que nos dá os recursos, nos foi espoliada e vendida a juros
O sexo, que faz de nós eternos, nos foi fabulado e igualmente vendido
O tempo, nossa maior propriedade, vendemos e gastamos com o que há de mais supérfluo

Anestesiados marchamos — até quando?

3. Cultura No Ônibus


Cultura No Ônibus 

Se você não quiser esperar o tempo passar
Sentado no banco e ninguém quiser conversar
E se já estiver cansado de ver a cidade pelos vidros
Ao embarcar no ônibus, pode pegar um livro...

Não há nada que te impeça de recomeçar a história, é só virar a página
Não há nenhuma mágica, é só abrir as portas e não julgar pela capa
Não há nada que te impeça de entrar na dança depois que ela começa
Não há nenhum ônus em viajar com a leitura, há cultura no ônibus.

Se você calculasse quanto tempo tomará
Da sua vida o trânsito, compreenderia que há
Uma vida inteira e a vida é uma só
Pra aproveitar o mundo, depois só restará o pó

Acordar cedo todo dia e sair pra trabalhar até o fim da vida
Arrumar tempo pra estudar e quem sabe um outro dia amanhecerá em paz
Quando todo o mundo for nossos amigos, solidários na luta
E nos fones de ouvido, instrumentos da rotina, ecoará uma só música

4. Convenções

Convenções 



(JB/LA/DM)

Estão apostando na ignorância
Quem planta vento, colhe tempestade
Estes que morrem pelas extremidades
Clamando: “Greed is good, for God sake!”

Saiba que a vida é muito curta
Pra sintonizar só o que capta a antena
E que as telas, grandes ou pequenas
Não sejam reféns do que dizem os Datenas

Não lhes importa a cor do gato
Desde que não haja pássaro voando
Em Estado de Direito, céu de brigadeiro
“Direitos humanos para humanos direitos!”

Saiba que a lei não garante nada
Há o espírito da lei e a lei fantasma
E que palavras, ainda que corretas
Nada mais são do que ofertas

Quem conta um conto seus males aquiesce
E quem muito canta não serve pra nada
O coração partido o amante afaga
A falange fascista é a elite quem paga

Saiba que os protestos sem escudos
Serão todos caçados: Monopólio do Estado
Máscaras e atos são estéticas
A democracia representativa é patética

Saiba que a eleição não vale nada
É preciso estar de terno e gravata
Pois, acordos feitos sem espadas
Nada mais são do que palavras

5. Opiniões


Opiniões 

Venha-me num poste, num post
Numa tatuagem, twitte, num blog,
Navegante falange, voz pra tudo que existe
Venha-me bruta, nem edite
Antecipe-se aos furos das equipes
Editoriais e apócrifa, nem se assine.

Que venho por meio desta sem pedir licença
Mal entrei na dança e já acabou a festa
Todos os Think Tanks venderam a farsa
Juraram mais vida com as tais redes sociais
Agora veja que a fraude será televisionada
Em horário nobre e ainda vai virar meme.

Venha-me do mar de ordens [Outdoors]
Da grande máquina de perder tempo
[E fazer dinheiro]
Chegue anexa ao email
Do Silicon Valley e da Morte
Venha-me da glote, da Globo
Com o recado que a Record também disse:
O que é verdade não se escolhe
Se esconde.

Dos formatadores de opinião da ditadura
Do pensamento único que desautorizam
Qualquer esforço fático e desvalorizam
Qualquer discurso crítico sob o senso
Comum muito bem engendrado
São estratégias pra impor sua agenda.

Venha-me num verso cantado
Sem rima, pixado num muro
Quem sabe assim, mesmo nesse estado
Um dia sairemos do escuro

6. Deep Deep Web

Deep, Deep Web 

Quem estiver disposto a desenterrar todos os ossos
A descobrir todo o tesouro, a abrir todas as portas
Quem estiver na cola de quem estiver no rastro
Dos cães farejadores que lambem as suas botas

Não tenha medo do que possa encontrar
Como espelho, mata no ovo a hipocrisia
Erga seu firewall, faça upgrade no antivírus
Adentre aos portões e vislumbre a era que virá
Na
Deep, deep Web

Quem cobrir o rosto e ocupar todas as praças
E publicizar os gastos que tem a nossa vigilância
Quem destituir a ganância e a propriedade privada
Irá valer-se das virtudes soberanas da preguiça

Mas o cérebro da máquina androide
Desce aos infernos, tudo pode e tudo sabe
Agora que qualquer dado é commodity
Os nossos heróis são todos hackers
Da
Deep, deep Web

Seja no aeroporto de Moscou
Seja na embaixada do Equador
Seja na masmorra do castelo
Seja na prisão do império em Guantánamo

No coração de quem impulsiona toda a rede
No peito de quem fará a nova ordem
Se as sociedades anônimas mandam no mundo inteiro
Os nossos heróis são whistle blowers
Da
Deep, deep Web!