sábado, 14 de maio de 2016

Concreto Armado — O Mundo Do Trabalho [2013]



C o n c r e t o   A r m a d o
O Mundo do Trabalho 
[65'00'']

"Concreto Armado" é uma alter-persona para: Guitarras, Baixo, Bateria, Teclados, Violão, Vozes, Ruídos e Microfonias, Letras e Músicas, Gritos e Urros: Juliano Berko. Gravado entre Dez/2012 e Nov/2013.


Capa: O rapaz trabalhava na impermeabilização do assoalho do Anexo II do senado no dia em que visitei o gabinete do senador Cristovam Buarque, em abril de 2010. Nós trocamos olhares, ele foi simpático. De repente, vi que o enquadramento criaria uma imagem interessante e, sem pensar duas vezes, tirei a foto.

Ele sorriu e continuou o seu trabalho. Me perguntou qual a razão de uma manifestação que ocorria em frente ao congresso, eu não soube dizer sobre o que era. Não pensei em pegar seu nome, não imaginava que eu faria da foto a capa de um trabalho... Segui meu rumo à rodoviária.

Contra-capa: O senhor que, na montagem amadora que fiz, está ao meu lado, era um operário que trabalhava nas obras de reforma do calçamento da UnB, também em 2010, já na época das eleições. Ele lia um panfleto da Dilma. Achei uma imagem simbólica e, igualmente, a registrei.

CD: A foto é da linha que leva visitas, mães e esposas, provavelmente em sua grande maioria, à penitenciária da Papuda, na baia ao lado da linha que leva à UnB, 2010.

LISTA DE FIGURAS: 1. “Projeto Cultura no Ônibus”; 2. Julian Assange; 3. Alisson Angel; 4. Ocupação do MTST em Taguatinga Sul, 2012; 5. Mercenário Francês no Mali; 6. Simbologia Maçom; 7. Sex Pistols; 8. Juliano Berko e Aurora Basso.

Agradecimentos: à minha família, Mah e Aurora. Quero agradecer também ao Flávio Pompeu, pelo apoio e injeção de ânimo no projeto (Sem isso, talvez, eu não houvesse feito!); aos queridos Leonardo Afonso e Danilo “Dandi” Marques, pelas conversas, amizade e jam’s, contribuições inestimáveis para este projeto [Sintam-se à vontade, pois que são convidados de sempre para fazer parte desta viagem!]; ao Sr. Antônio pela conversa e inspiração para "Cultura no Ônibus”.

Por que “O Mundo do Trabalho”?


— Terminei o projeto anterior, “Futuro, Adeus!”, durante a greve de 2012 da UnB. Acabada a greve, eu terminei de gravar o projeto e de escrever a monografia, entre setembro e outubro. De repente, me dei conta de que não me restava mais ofícios para com a universidade e que, finalmente, poderia – queria, deveria – entrar no tal “mundo do trabalho”, do qual os críticos tanto falam. Fiquei suspenso até fevereiro, quando fui chamado para ser professor temporário do GDF. Nesse meio tempo, já havia escrito algumas coisas, inclusive a canção que dá o título ao disco. Os demais temas são frutos da experiência ao longo do ano como professor, do desenvolvimento das minhas reflexões subjetivas acerca da minhas condições objetivas.

Juliano Berquó,
31/10/13.

Contatos:


julianoberko@gmail.com
(61) 85156753
www.oversolanoverso.blogspot.com

1. Caminhos Do Povo


Caminhos do Povo 

Todos os caminhos do povo
Levam à rodoviária do Plano Piloto

Todos os caminhos são tortos
Procuramos pelo porto seguro
Todos caminhamos no escuro
Luz só há quando nos vemos nos outros

Todos pesamos o aço
Dos nervos, do peito e o cansaço
Todos pisamos pesado
Os calos, guardamos no bolso

Nenhum de nós sobe no salto
Porque o chão sempre foi nosso leito
Todos os pavios são curtos
E entre nós, nos damos ao respeito

Ninguém enxuga o nosso pranto
Com ele, deixamos os talheres limpos
Fazemos do lençol mais branco
E ao fim do dia tudo um brinco

Estes que usam do concreto
Pra ganhar mais com os seus contratos
Quando o serviço sou eu quem presto
Um dia irão aos ares estraçalhados

Estes que lambem o asfalto
Com as suas botas de borracha
E servem ao nosso grande assalto
Haverão de parar antes da faixa
E observarão com suas próprias retinas
A transição que já vem em marcha
Qual findará a toda injustiça
Com a sagrada lâmina: guilhotina

Todos os caminhos do povo
Nos levam a um mundo novo

2. Mundo Do Trabalho


Mundo do Trabalho 

Com o diploma embaixo dos braços, eu finalmente adentro ao mundo do trabalho
Com o papel timbrado devido saio da universidade desempregado
A única escolha que temos é vender o nosso tempo em troca de um salário?
E agora, como alimentar meus filhos? Como educá-los pra liberdade sem ser só mais um cínico?

Minha mãe, minha alma mater, de que adiantou tanto pensamento crítico?
Se os dados foram lançados, tudo tem um dono e há um único caminho?
Se, a depender dos parâmetros, todos os assalariados são trabalhadores escravos?
Se, em compromisso com a verdade, maior é a submissão quanto maior o suborno!

E agora, pra onde é que eu vou? E se eu não conseguir estudar e não passar no concurso?
Sou um Geógrafo, um Professor, um Artista ou mesmo ainda um Pesquisador-Tecnologista?
Na crise, devia estar agradecido pela universidade proporcionar-me um ofício!
A crise, que desfaz casa e emprego, mas que ainda assim enriquece os bilionários!

Fizeram com que eu preenchesse as bolinhas com a caneta preta em material transparente
Quiseram que eu fosse um robô, fizeram com que eu me entristecesse com aquilo que eu sou
Querem que eu repasse aos jovens a sua mensagem e que faça sentido!
Porém, ainda não estou morto, posso até cair de podre, mas eu nunca me rendo!

Revoltar-se urge — mas como?

E a liberdade que viria com a minha emancipação?
E o peso do mundo que só cresce em minhas costas?
E as doses mais altas pra aliviar minha frustração?
E o som sempre mais alto para abafar meus gritos?
E o semblante sempre mais fechado de indisfarçável ódio?
E quase tudo que existe e que pra mim é chiste?
E o que faz a todos rirem e que pra mim é muito sério?
[E o precariado que percebe quem carrega o mundo? Não há mais mistério!]
E o sorriso um pouco mais insano pra disfarçar meu desespero?
Que faço disso tudo se me sinto tão vivo?
Não sei que faço disso tudo mas sei que eu não me curvo.

Por migalhas, nos acotovelamos, fingimos ser civilizados, mas onde é que estamos?
Aceitamos desiguais privilégios, naturalizamos a submissão às dívidas
Querem que eu aceite calado e apoie o corporativismo dos sindicatos e partidos
Que de nada nos servirá além de nos levarem a ser depositários dos bancos

A mim, como a uma minoria, me impressiona como se monetariza a vida:
A Terra, que nos dá os recursos, nos foi espoliada e vendida a juros
O sexo, que faz de nós eternos, nos foi fabulado e igualmente vendido
O tempo, nossa maior propriedade, vendemos e gastamos com o que há de mais supérfluo

Anestesiados marchamos — até quando?

3. Cultura No Ônibus


Cultura No Ônibus 

Se você não quiser esperar o tempo passar
Sentado no banco e ninguém quiser conversar
E se já estiver cansado de ver a cidade pelos vidros
Ao embarcar no ônibus, pode pegar um livro...

Não há nada que te impeça de recomeçar a história, é só virar a página
Não há nenhuma mágica, é só abrir as portas e não julgar pela capa
Não há nada que te impeça de entrar na dança depois que ela começa
Não há nenhum ônus em viajar com a leitura, há cultura no ônibus.

Se você calculasse quanto tempo tomará
Da sua vida o trânsito, compreenderia que há
Uma vida inteira e a vida é uma só
Pra aproveitar o mundo, depois só restará o pó

Acordar cedo todo dia e sair pra trabalhar até o fim da vida
Arrumar tempo pra estudar e quem sabe um outro dia amanhecerá em paz
Quando todo o mundo for nossos amigos, solidários na luta
E nos fones de ouvido, instrumentos da rotina, ecoará uma só música

4. Convenções

Convenções 



(JB/LA/DM)

Estão apostando na ignorância
Quem planta vento, colhe tempestade
Estes que morrem pelas extremidades
Clamando: “Greed is good, for God sake!”

Saiba que a vida é muito curta
Pra sintonizar só o que capta a antena
E que as telas, grandes ou pequenas
Não sejam reféns do que dizem os Datenas

Não lhes importa a cor do gato
Desde que não haja pássaro voando
Em Estado de Direito, céu de brigadeiro
“Direitos humanos para humanos direitos!”

Saiba que a lei não garante nada
Há o espírito da lei e a lei fantasma
E que palavras, ainda que corretas
Nada mais são do que ofertas

Quem conta um conto seus males aquiesce
E quem muito canta não serve pra nada
O coração partido o amante afaga
A falange fascista é a elite quem paga

Saiba que os protestos sem escudos
Serão todos caçados: Monopólio do Estado
Máscaras e atos são estéticas
A democracia representativa é patética

Saiba que a eleição não vale nada
É preciso estar de terno e gravata
Pois, acordos feitos sem espadas
Nada mais são do que palavras

5. Opiniões


Opiniões 

Venha-me num poste, num post
Numa tatuagem, twitte, num blog,
Navegante falange, voz pra tudo que existe
Venha-me bruta, nem edite
Antecipe-se aos furos das equipes
Editoriais e apócrifa, nem se assine.

Que venho por meio desta sem pedir licença
Mal entrei na dança e já acabou a festa
Todos os Think Tanks venderam a farsa
Juraram mais vida com as tais redes sociais
Agora veja que a fraude será televisionada
Em horário nobre e ainda vai virar meme.

Venha-me do mar de ordens [Outdoors]
Da grande máquina de perder tempo
[E fazer dinheiro]
Chegue anexa ao email
Do Silicon Valley e da Morte
Venha-me da glote, da Globo
Com o recado que a Record também disse:
O que é verdade não se escolhe
Se esconde.

Dos formatadores de opinião da ditadura
Do pensamento único que desautorizam
Qualquer esforço fático e desvalorizam
Qualquer discurso crítico sob o senso
Comum muito bem engendrado
São estratégias pra impor sua agenda.

Venha-me num verso cantado
Sem rima, pixado num muro
Quem sabe assim, mesmo nesse estado
Um dia sairemos do escuro

6. Deep Deep Web

Deep, Deep Web 

Quem estiver disposto a desenterrar todos os ossos
A descobrir todo o tesouro, a abrir todas as portas
Quem estiver na cola de quem estiver no rastro
Dos cães farejadores que lambem as suas botas

Não tenha medo do que possa encontrar
Como espelho, mata no ovo a hipocrisia
Erga seu firewall, faça upgrade no antivírus
Adentre aos portões e vislumbre a era que virá
Na
Deep, deep Web

Quem cobrir o rosto e ocupar todas as praças
E publicizar os gastos que tem a nossa vigilância
Quem destituir a ganância e a propriedade privada
Irá valer-se das virtudes soberanas da preguiça

Mas o cérebro da máquina androide
Desce aos infernos, tudo pode e tudo sabe
Agora que qualquer dado é commodity
Os nossos heróis são todos hackers
Da
Deep, deep Web

Seja no aeroporto de Moscou
Seja na embaixada do Equador
Seja na masmorra do castelo
Seja na prisão do império em Guantánamo

No coração de quem impulsiona toda a rede
No peito de quem fará a nova ordem
Se as sociedades anônimas mandam no mundo inteiro
Os nossos heróis são whistle blowers
Da
Deep, deep Web!

7. Consumidores Imperfeitos


Consumidores Imperfeitos* 

Se eu sou mesmo aquilo que eu como
E a propaganda, (é aquilo que eu amo?)
E o doce da vida (é mesmo o aspartame?)
Então, por que no mundo ainda há mortos de fome?

Será que eu sou mesmo a marca do que bebo
Alimentando a indústria dos bilionários do álcool?
Será mesmo livre a minha escolha do apelo
Pra ter mais do que devo e menos do que preciso?

O mercado deve saber disso
E esconder das vitrines seus negócios
Enterrar os ossos do seu ofício
Aceitar seus crânios eu não posso...
O mercado deve abrir os olhos
Procurar sanar todos seus vícios
E tirar dos vidros os seus rótulos
Que o fogo haverá de ter um início
O mercado deve estar atento
Aos consumidores imperfeitos
Estes que só veem os seus produtos
Pra rir dos nossos próprios defeitos

Será que o nosso corpo é mesmo outdoor
Pra estampar a marca de quem ganha mais?
E a nossa vida será que cabe nas
Fotos do facebook e páginas dos jornais?

Será que meus amigos não veem que somos nada
Além de empregados das redes sociais?
Que elas não objetivam comunicar, só o lucro
Através da publicidade de nossos padrões de consumo?

O mercado deve abrir as portas
Praqueles que abrirem suas pernas
Nele, todos temos nossas cotas
De servidão assalariada ao sistema
O mercado deve se preocupar
Com os livres produtores associados
E através do monopólio perfeito
Afastar qualquer perigo indesejado
O mercado deve morrer de medo
Dos tais consumidores imperfeitos
Já que estes nada têm de mais
Além do ódio que carregam no peito

Se o capital precisa se ampliar
Saibamos que seu ar são nossas mãos
Nossos corações são o seu lar
E os nossos bolsos, seu pulmão.
Se o capital precisa se ampliar
Saibamos nomear o seu patrão:
Aqueles que detêm os recursos naturais
Informação e os meios de produção.

Amigo, sinto muito, o meu canto vale nada
Uma imagem repetida mil vezes
Vale mais que mil palavras
Repetidas mil vezes

* Inserção de áudio de trecho da palestra do Economista Ladislau Dowbor, "Economia Solidária", 2009.


8. Combustão Espontânea De Favela

Combustão Espontânea de Favela
[E as Remoções Forçadas Para a Copa] 

Aqui onde o sol não chega antes do camburão
E habitação, então, é caso de polícia
Aqui onde a morte é certa e só vira notícia
Pra desumanizar os jovens, o que já é esporte
Aqui onde a paisagem é lixo que suja a vista
Já que a riqueza que o viaduto ostenta é só passagem
E a vida doutro lado do muro é capa de revista
E a propaganda eleitoral é pura maquiagem

Quando o que a sociedade reclama
É a redução da maioridade penal
Então o agente da ordem não se engana
E viola garantia constitucional
Quando a cidade não se ama
E gera um não-lugar no que já era
Então o mercado imobiliário inflama
A combustão espontânea de favela

A madrugada é escura
A manhã violenta
A tarde sangrenta
A noite sem cura
A vida sem escolha
A noite sem cura
A vida sem escolha

Aqui onde a justiça manda reintegrar a posse
De um lote que não cumpria a sua função social
Pro banqueiro condenado até em paraíso fiscal
Não se finda, cresce muito o fundo do nosso poço
Aqui onde a fazenda manda metralhar indígena
Levando ao ultimato de um povo Guarani:
“Decretem nossa morte e nos enterrem aqui”
Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém ouve o Jejuvy

Quando quem financia o partido comunista
É o Mcdonalds e a Coca-Cola
Então o Estado todo ignora
As remoções forçadas para a Copa.
Quando o povo não se engana
Ocupa e se prepara para a guerra
Não há tropa de choque com a gana
Da luta, que é longa, dura e bela.

A madrugada é escura
A manhã violenta
A tarde sangrenta
A noite sem cura
Na vida, uma só escolha:
“Se resignar ou se indignar
E eu não vou me resignar nunca”

9. Para Humanos Direitos

Para Humanos Direitos 

A violação dos direitos humanos por humanos direitos
Não é mero acaso, nem defeito ou anormal
A violência do Estado, do aparato policial
É uma opção

A violação dos direitos humanos na guerra é a regra
Seja guerra declarada ou intervenção humanitária
A violência do Estado é nossa própria miséria
Não é exceção.

Combater o terrorismo e derrubar ditadores
Não é nada além de iludir com fantoches
Os súditos da OTAN, consumidores-eleitores
Da democracia vã

Combate ao terrorismo no Mali é imperialismo
O presidente francês se esconde no socialismo
O Mar Mediterrâneo, na verdade, é o abismo
Da humanidade.

Consuma o império e seja cúmplice, mostre a sua face
Aos famintos da África e aos escravos da China
Às mulheres mutiladas e aos povos indígenas
Sob opressão

Ignore que a violência é tecnologia do poder
Que justifica a violação de qualquer liberdade
Uma oração que justifica a sua abstenção
E morra em vão
Que já irá tarde
Nem se incomode
Com esta canção

10. Pra Não Pagar Aluguel

Pra Não Pagar Aluguel [A Vida Inteira]

Morei três anos na Asa Sul, esperava o Grande Circular
Sem saber que eu poderia pegar um ônibus pro Guará
Que seguiria à L2 Sul sem ter que esperar 40 minutos
Morei três anos no Guará, fui trabalhar no Lago Norte
Imaginava que morando na Asa Norte eu poderia
Dormir um pouco mais e passar menos tempo em trânsito

Como posso assim viver? Como podemos se somos tantos?
Vendendo o nosso tempo de nossa vida sobre a Terra
Não sou mão de obra nenhuma que não a minha
Ainda é preciso defender o óbvio? Isso é um roubo!

Pra não pagar aluguel a vida inteira!
Pra não me jogar da janela do oitavo andar!
Pra não me matar no trabalho de tanto trabalhar!
Pra não ter que olhar no relógio e nunca me atrasar!

Já tive medo de morrer, hoje tenho de viver
Uma vida sem sentido, uma vida sendo escravo
O tijolo na parede de um edifício condenado
Não quero ter mais que ninguém
Quero uma vida plena, de felicidade e paz
Não sou inquilino do condomínio de nações, pátrias, patrões...

Eu não preciso pagar tributo pra propriedade de quem acumula
Pela herança da violência da [primitiva] acumulação
Sei que tudo que eu deixarei pra minha filha é a poesia
E as minhas forças, meu intelecto, dedico à luta que é infinita...

Pra nunca sentar num escritório de advocacia!
Pra não me render ao salário nem ao dicionário de rimas!
Pra nunca pagar a inscrição de outro concurso!
Pra não ter que ter conta num banco!
Pra não ter que sonhar o mesmo sonho!

11. A Vida Como Ato Político

A Vida Como Ato Político

Eu já nem me lembro quando o jovem que havia em mim, libertário e humano
Deu lugar ao que agora sou: consumidor limitado, cliente bancário
Quando eu quis ser professor não imaginava o que era viver de salário
Agora, que pese minha dor, pelo mundo que carrego também sou culpado

Fiz minha cama de sonhos, mas vim caminhando a esmo

Me recuso a ser a autoridade em sala de aula
Me interesso por quase tudo, mas eu não sei de nada
Não sou o dono da verdade nem dou a última palavra
Sou dono apenas dos meus passos e da minha estrada

Dizem haver edifício perfeito do outro lado do muro, longe do meu leito
A vida como ato político desconstrói esta engenharia social é nosso defeito
Quando quis ser compositor não vislumbrava o universo em que estava adentrando
Agora sei que é ensurdecedora a primavera das cigarras cantando

Depois das Sociedades Anônimas tiraremos nossas máscaras!

Quem financia o projeto de privatização da vida?
Quem patrocina a jornada de terceirização da crítica?
Quem dá fé ao movimento de espetacularização da estética?
Quem escamoteia o debate pra fazer pregação mítica?

"Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só
Sonho que se sonha junto é realidade."

12. Função Social Do Desperdício

Função Social do Desperdício

Em nossas ruas escuras
Há somente putas, traficantes e mendigos
A sociedade do controle
Engendra em todos tantos vícios
Veja bem, a fome tem
Seu aspecto [bio]político:
O [bio]poder de comer
E o de deixar ou não deixar morrer

E o Socialismo Socialite
O Socialismo de Mercado
Rascunho, caricatura
Da Ditadura do Proletariado
Tem delegado sindical
Pedindo aumento de salário
Instrumento, engrenagem
Da mão invisível que controla o trabalho

Na natureza nada se perde,
Nada se cria. De tudo
A lógica privada da vida
Vem e se apropria
Especulação imobiliária
Na favela com a U.P.P.
Libera a toda máscara
Do vandalismo da Tv

Hoje o sol brilhou
Mas o sol brilhou pra quem?
Você olhou pro céu?
Sabe o que perdeu?
Você “deu duro” por três meses
Pra pagar o imposto da nação
Sinto informar: no resto do ano
Enriquece o seu patrão

Pulando de galho em galho
Somos um animal ridículo
Escravos do banco e do salário
E do aluguel que engorda com meu trabalho
Se não puder vencê-los, eu digo a vocês
Junte-se a eles na miséria ao fim do mês:

Com a primeira semana de trabalho, pago a moradia
Com a segunda semana de trabalho, pago água e luz
Com a terceira semana de trabalho, pago o alimento
Com a quarta semana de trabalho, eu já compreendo
Que eu pago pra trabalhar
[E eu não escolhi nascer]

Na cidade em que os stalkers
Sejam homens ou mulheres
Vão ao site da transparência
Investigar seus contra-cheques
Quando sobra comida
E a miséria revira o lixo
Finalmente, está cumprida
A função social do desperdício

13. O Homem Detrás Do Microfone


O Homem Detrás do Microfone

Não importa pra onde se olhe
Em todo lugar em que haja
A vida, livre como deve
Surge alguém em busca do controle

Tanto faz estar no templo
Em todo espaço em que tenha
O infinito pra vagar o espírito
Surge alguém pra manipular a catarse
E de boa fé, nossa psique
Se perde tentando entender sua exegese

Como se fosse possível
Apreender o cosmos em um livro mal traduzido
Como se não nos herdasse o pó
O qual faz parte de cada um de nós

Não importa qual o palanque
Quando ele sobe, todo mundo sabe
Que tudo está igual ao que era antes
Só esperamos que aquela obra acabe
Sabemos a quem o jogo eleitoral serve
O que queremos é apenas liberdade

Como se alguém pudesse governar
As vontades libertárias do povo
Como se das urnas brotasse um mundo novo
Sem quebrar as pernas desse torto elefante.

Não interessa quanto se caminhe
Sentindo a vida na carne
Pra justificar um intelecto de elite
Sempre haverá a universidade
E aí pode até haver quem se anime
Em justificar qualquer desigualdade

Como se o observador fosse mesmo neutro
Quando a vida humana não é mais que objeto
Como se fosse o conhecimento inconteste
E coubesse em portas fechadas, quatro paredes

Em todo qualquer grande palco
Sob o qual haja insano tumulto
Em que a arte transeunte como vulto
Tal estética demanda um salto
Do culto à sociedade do consumo
E nos eleve aos valores mais altos

Pois é como se os outros não tivessem voz
Como se não houvesse liberdade pra vaiar
Como se ninguém mais pudesse cantar
Ou desafinar e desafiar a ordem!

Do mais próximo de deus fique distante
Que a verdade deles o desautorize
Que toda e qualquer elite
Sucumba ao pé da pirâmide
Corte o laço o quanto antes
Com quem dizia do amanhã ontem
Fuja, não deixe que o engane
O homem detrás do microfone

Ouça e lute comigo
Cante e lute ao meu lado

14. Ministério Da Desburocratização

Ministério da Desburocratização*

Quando nasci, um papel qualquer
De um cartório em Goiás
Dizia que eu existia
Crescendo, via que um papel qualquer
Valia o que qualquer coisa possuía
Que tudo que eu sabia era validado
Por um papel timbrado
Que o ministério da educação reconhecia...
Enquanto eu me virava, li no edital do concurso
Que estaria sujeito às sanções previstas no decreto publicado
Pelo ministério da desburocratização
Caso prestasse falso depoimento e atentasse contra a fé pública
[e aqui abro parênteses para perguntar
Será que o Figueiredo não via que ironia idiota?]
[“Eu vou quebrar as pernas desse modelo econômico!”]
Neste caso, o papel vale mais que minha voz e sana qualquer dúvida.
Quando envelhecer, e não servir mais pro trabalho,
E pra merecer aposentadoria ou pensão,
Precisarei de um papel pra dizer que estou vivo
A que se chama “atestado de vida”
(Vida?)
Por fim, a ironia recairia em mim, que pasto
Em prolongada agonia
Que apenas se inicia.

15. A Minha Banda


A Minha Banda [Concreto Armado] 

Durante quase dez anos eu procurara minha banda
Acreditava que o importante era o que se sonhava
Nada mais cínico!
Logo veio a vida nova, apodrecida de tantas obrigações
Hoje sei que o que se apreende da realidade são apenas ilusões
Que já vão tarde!

O tempo empreendido em rasgar tantos véus
O tempo que for preciso pra dizer tantos adeus
O tempo dos malditos abandonados ao léu
O tempo, que rompe o abismo, abraça o breu
Do céu

Pois, nada é mais belo que a liberdade
Nada é tão certo quanto a mudança
E se a vida é um tempo em disputa
Lutar é a minha esperança

Tentei me organizar coletivamente pra entrar no debate público
Porém, havia uma muralha que impedia a convivência democrática
Intransponível
Quando a sorte me sorriu e me acenava com uma sintonia política
Apesar da boa-vontade, esbarrávamos em alguma divergência estética
Incontornável

Como se eu pudesse ser uma banda inteira
Seria um andarilho com minha própria bandeira
Sou mesmo um guerreiro de alma etérea
Do resto das estrelas, seu ruído de fundo
E sua poeira

Pois, não há nada melhor do que ser livre
Daí advém a felicidade
E se as grades encerram meu inconsciente
Lutarei pela minha vontade

Quê poderia estar oculto em tanto verso hermético?
Eis que tanto sangra minha garganta após tanto grito eufórico
E eu nunca minto!
A potência do meu voo, vacilante, abusa do ganho
Não há nada nesse mundo que me obrigue a sonhar o mesmo sonho
Nem cantar o mesmo canto

Até quantos decibéis atinge a minha voz?
Tudo o que é sólido e que o ar desfaz
Pra libertar o animal feroz que me conduz
A serpente que seduz aquele que for capaz
Aliás,

Não há nada melhor do que ser livre
Daí advém a felicidade
E se as grades encerram meu inconsciente
Lutarei pela minha vontade

Pois, nada é mais belo que a liberdade
Nada é tão certo quanto a mudança
E se a vida é um tempo em disputa
Lutar é a minha esperança